terça-feira, 10 de maio de 2011

PEQUENO MANUAL DO GRANDE MANUEL
Anunciava-se como “O Grande Manuel”. Era português, alto, parecido com o John Carradine, sotaque pesado, um refulgente turbante na cabeça.
Vinha cedo, aí pelo meio-dia, com grandes caixotes e malas, trancava-se no salão de festas. O forte dele era o número de bandeiras, bandeiras de todos os clubes e nações, bandeiras de entidades e coisas inexistentes que iam saindo de sua formidável piteira que fumegava em seus dentes.
Como, por que e onde o Grande Manuel começou a fazer mágicas são coisas da vida, de maneira geral, e dos mágicos, de maneira especial. Veio de da terra para tentar a cultura das batatas no Piauí, mas achou negócio pesado e preferiu a cultura das ilusões: plantava um relógio no vaso, do vaso nascia o ovo, do ovo nascia a pomba. Plantar batatas talvez fosse menos trabalhoso mas as mágicas davam-lhe glória. Não era Manuel qualquer. Era o grande Manuel.
Mas até os grandes Manuéis vivem de coisas pequenas. A dele chamava-se “O Pequeno Manuel dos Mágicos”. Uma tarde, ele esqueceu o manual numa cadeira, nós pegamos o livrinho, descobrimos os truques todos. À noite, quando o Grande Manuel dizia: __”Olhem aqui este guarda-chuva!”, nós berrávamos: __ Não é guarda-chuva, é uma espingarda!.
Nunca mais o Grande Manuel foi contratado para deslumbrar nossos dias de festa. Deveria andar por ai, vendendo suas mágicas pelos mesmos cafundós do mundo. Ontem, ao abrir a porta lá de casa, vi o homem. O mesmo jeito de John Carradine, mais velho, o mesmo sotaque. Só não era o Grande Manuel. Era o Manuel dos Santos, técnico da loja que me vendeu um aspirador de pó. Não me reconheceu, eu era um menino no meio de duzentos meninos.
Examinou o aspirador de pó, abriu a maleta das ferramentas. Vi um livro velho, amarelado, não, não era o pequeno manual e sim a agenda dos clientes que precisava visitar. Mesmo assim, temi que ele repetisse o Grande Manuel e transformasse meu aspirador em liquidificador. Temi em vão. Numa época em que somos todos um pouco de mágicos, ele pendurou para sempre suas mandigas, rasgou seu pequeno manual. Ninguém mais acreditas em mágicos, em camlôs do maravilhoso. Temos nossos próprios mágicos que fazem de graça estapafúrdicas por aí.
Perguntei quanto era. Não me cobrou nada, a peça estava na garantia. Dei-lhe mil reais de gorjeta e ele achou muito. E nunca entenderá por que lhe dei tão generosa gorjeta pela troca do parafuso. A ele, que trocava flores em pássaros, perseguindo a gorjeta do aplauso e a glória que brotava de seus dedos encantados.

Carlos Heitor Cony. Crônica. Folha de S. Paulo